terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A vida de FRANCISCO MATARAZZO


Houve um momento em que os negócios do conde Francisco Matarazzo (1854-1937) no Brasil tinham se diversificado tanto que até ele parecia confuso. “Sou comerciante de farinha, de bacalhau, de algodão... Não entendo de mais nada”, brincou certa vez. Não era à toa. Nas cinco décadas que levou para erguer seu império industrial, Matarazzo pôs o dedo numa variedade de empreendimentos e atividades impressionante até para os dias de hoje. Dizia-se em seu tempo que o conde tinha 365 fábricas, uma para cada dia do ano, e é bem possível que isso tenha sido verdade. No auge, as Indústrias Reunidas F. Matarazzo produziam tecidos, latas, óleos comestíveis, açúcar, sabão, presunto, pregos, velas, louças, azulejos. Matarazzo tinha um banco, uma frota particular de navios, um terminal exclusivo no porto de Santos e duas locomotivas para transportar mercadorias no pátio da sede do complexo industrial, em São Paulo. Quando o conde fez 80 anos, suas empresas faturavam 350 mil contos de réis por ano, dinheiro equivalente na época à arrecadação de São Paulo, o Estado mais rico da Federação. Se a conta fosse feita hoje, nenhum dos conglomerados nacionais conseguiria bater Matarazzo.

Ele não foi apenas um pioneiro da industrialização. Matarazzo foi um dos primeiros empresários a se voltar prioritariamente para o mercado interno, numa época em que a economia brasileira era dominada pela exportação de café. Matarazzo descobria consumidores onde ninguém mais enxergava oportunidades de negócio. Ele achava possível ganhar dinheiro produzindo mercadorias que a maioria dos brasileiros consumia aqui mesmo, no dia-a-dia. Arroz, vinho, queijo, quase tudo que aparecia na mesa dos brasileiros era importado na virada do século. Matarazzo foi dos primeiros a enriquecer produzindo esse tipo de coisa no Brasil. Foi assim desde 1881, quando ele chegou da Itália e abriu uma venda em Sorocaba, no interior paulista. A maior parte das mercadorias que expunha nas prateleiras era importada. A primeira que ele começou a produzir aqui foi a banha de porco, que era importada dos Estados Unidos e as pessoas usavam para cozinhar e conservar alimentos. Matarazzo escolhia seus porcos pessoalmente em viagens pelo interior e vendia a banha em barris de madeira que levava à freguesia de porta em porta.

Matarazzo levantou seu império aos poucos. Mudou-se para São Paulo dez anos depois de chegar ao Brasil e só inaugurou a primeira fábrica, um moinho de trigo, uma década mais tarde, em 1900. O sucesso de sua trajetória é uma mistura de esperteza e oportunidade. Como importador, Matarazzo tinha uma visão privilegiada da paisagem econômica. Conhecia os preços das mercadorias e os interesses dos consumidores, tinha acesso a crédito e relações com uma rede de pequenos revendedores. Com tanta informação, ele conseguia saber a hora certa de reduzir as importações de um determinado produto e começar a produzi-lo aqui. Além disso, Matarazzo tinha dinheiro para investir. Especulava com o câmbio e lucrava com o banco, que monopolizava a remessa das economias que os imigrantes italianos despachavam para a terra natal. Como outros pioneiros da industrialização brasileira, ele também teve uma bela ajuda do governo, cuja política de proteção alfandegária reduzia o custo de importação de algumas matérias-primas e impunha tarifas elevadas a produtos estrangeiros que poderiam competir com os nacionais.

As grandes fortunas do início do século foram cevadas nas fazendas de café. Seus proprietários davam as cartas nos negócios, na política e no governo. Matarazzo não fez feio nesse ambiente. Um dos homens mais ricos de seu tempo, tinha mansão na Avenida Paulista e ia para o trabalho de limusine, mas sempre foi visto como uma espécie de novo-rico pela elite da época. O título de conde, recebeu do imperador Vitorio Emmanuele por ter enviado à Itália mantimentos durante a Primeira Guerra Mundial. Matarazzo tinha admiração por Benito Mussolini, a ponto de contribuir com o fascismo financeiramente, e era um sujeito popular entre os italianos que viviam no Brasil. A maioria dos operários em suas fábricas era formada por italianos, e eram feitos em italiano os discursos do patrão aos empregados. Fora da colônia, Matarazzo era visto com desconfiança pelos fazendeiros e pela nascente classe média urbana, e o comportamento da família só fez a antipatia crescer depois de sua morte. Com o velho conde fora de cena, seu império começava a ruir.

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